A CURA ATRAVÉS DA FÉ

É comum as pessoas se apegarem a crenças religiosas quando se encontram em momentos difíceis em suas vidas. A busca pelo entendimento cansa e a fé torna-se a única maneira plausível de superar tal situação. Segundo uma pesquisa feita pelo Instituto Dante Pazzanese de São Paulo, a prática regular de atividades religiosas pode reduzir o risco de morte em 30%. Isso acontece porque seguir uma religião melhora o bem-estar psicológico, diminuindo os pensamentos negativos, o consumo de álcool e drogas e incentivando hábitos saudáveis.

Uma série de estudos surgiu em torno da ayahuasca como forma de tratamento para doenças como depressão na última década. O Santo Daime é uma doutrina que tem uma visão de cura muito presente em seus ensinamentos. Nos hinários, frases como “A cura vem para quem merecer” são comuns e os adeptos a religião afirmam que a cura não chega de uma hora para outra.

A Igreja Céu Sagrado, oferece tratamentos alternativos com o uso da ayahuasca e a prática do kambô, para tratar de pacientes que procuram a cura de dependências químicas, alcoolismo, vícios e problemas de saúde no geral.

É preciso entender os ensinamentos do chá ayahuasca para poder se encontrar. “Aos poucos foi me libertando e muitas coisas foram clareando. Eu nunca mais fui a mesma pessoa desde o primeiro ritual”, afirma Gisele Ferrari, que hoje toma o Daime somente uma vez por ano. “Só para tirar aquele peso nas costas quando tenho”.

Cristina Profetto saiu da Argentina no ano de 1989 rumo à Amazônia para se curar de um câncer entre o útero e o ovário através do Santo Daime. “Fiz de mim um laboratório de cura. Estava com 33 anos e 33 quilos. Do meu peito saia sangue e eu menstruava vinte dias direto… Quase sem cabelos, não por quimioterapia, porque nunca usei, mas por fraqueza”, relata. A proposta de cura veio de um amigo que tinha acabado de chegar da Índia. A viagem até a Amazônia levou 40 dias. “Foi realmente uma grande aventura, pena que pouco podia curtir por causa da enfermidade, mesmo assim nunca esqueci tantas maravilhas que pude apreciar”, relembra.

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Depois de muito caminhar ela chegou na colônia Cinco Mil, no estado do Acre. Eles carregaram, durante a viagem, mochilas pesadas com sal em pedra e até uma vassoura para limpar as calçadas de onde dormiram. Segundo Cristina, na chegada a emoção foi tanta que desmaiou e seu esposo teve que carregá-la para dentro da colônia, onde foi apresentada ao Padrinho Wilson Carneiro, que havia recebido direto do Mestre a zeladoria e chefia dos trabalhos de cura. “Então cai direto no Daime. Tomei muito, um copo cheio, me transportei e fui parar em um jardim, ali minha mãe soberana me balançou e estava cheia de rosas… Tive todas as mirações possíveis. Perdi o medo, mas o tumor não saia do lugar”, conta.

De acordo com Cristina, depois de muitos trabalhos, o povo não acreditava que ela iria conseguir sobreviver ao tratamento. “Em um desses trabalhos de cura recebi minha operação em plano espiritual e fui curada. Escutei uma voz no meu ouvido dizendo para que eu prestasse atenção nos hinos que estavam sendo cantados na sala, mas me senti como se estivesse em uma cama de hospital. Logo senti como se prendessem meus braços e pernas, olhei em volta e estava em um salão azul, moderno e lindo. Vi uma equipe de pessoas altas e vestidas de branco e no mesmo momento senti como se fosse um bisturi arrancando o tumor, como se fosse uma extração de dentes. Ao lado direito vi uma asa branca e dourada de uma águia… E assim foi…”, explica Cristina. “Depois desse dia nunca mais tive nenhuma manifestação do câncer”, afirma aliviada.

A procura pela cura acontece até mesmo para os animais. Como é o caso do animal de estimação do cineasta e professor Marcelo Marques. “Meu gato tinha suspeita de um linfoma. Para fazer exame era caro e minha namorada é veterinária, então ela preferiu fazer um tratamento alternativo”, conta Marcelo. “Ela fez tratamento com cromoterapia, o gato estava bem abatido e só ficava deitado o dia inteiro, sem força, no corredor da morte”, relembra. “Juntamente com a cromoterapia, nós demos a ayahuasca na forma de floral pra ele em um conta-gotas. Eram, em média, oito gotas de ayahuasca por dia durante duas semanas e ele foi melhorando até ficar ótimo!”.received_1675953659095712

Marcelo afirma que ele e a namorada não fizeram nenhum exame para confirmar se realmente o animal sofria com um linfoma e se foi efetivamente curado, mas desde então o animal está saudável e feliz.

A CLÍNICA DE TRATAMENTO

Em Sorocaba, funciona a clínica de tratamento do Céu Sagrado. Ela foi criada na mesma época que a igreja, mas em espaços diferentes. O atendimento é feito duas vezes por semana, não é tolerado atraso e tem a autorização da vigilância sanitária. “Nós começamos no horário, se você perceber que vai atrasar, nem venha, senão vai perder a viagem”, disse Luciano Dini, Presidente do Céu Sagrado e Coordenador da clínica, para um paciente que viria de Minas Gerais e estava ao telefone tirando dúvidas sobre o tratamento.

Os tratamentos são oferecidos gratuitamente. E mesmo sem divulgação em qualquer meio de comunicação ou até mesmo fachada na entrada do local, a procura pela libertação dos problemas faz com que a clínica atenda em torno de sete pessoas por dia. “Tem pessoas que chegam aqui e estão há 10 anos nas drogas e com uma dose de Daime saem curadas. De 5 pessoas que tomam o Daime aqui, quatro se curam. Aquela uma pessoa que não se curou é porque veio com pouca fé”, conta Luciano Dini.

Para identificar qual o problema o paciente apresenta, é feita uma orientação por um dos voluntários, que dura em torno de 15 minutos. “Na primeira conversa a gente já consegue sentir se aquela pessoa quer mesmo mudar ou não”, confessa Júlio Cezar Andrade do Nascimento, autorizado a aplicar o kambô e voluntário na clínica há 5 anos. O tratamento atende duas pessoas por vez, para facilitar a concentração e deixar o paciente seguro, pois muitos nunca tiveram nenhum contato com esse tipo de terapia antes.

ESTUDOS ENVOLVENDO A AYAHUASCA

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente 5,8% dos brasileiros sofrem de depressão. A doença que atinge 11,5 milhões da população brasileira é considerada o mal do século XXI, pois o número de pessoas diagnosticadas com graus de depressão aumenta todos os dias e segundo uma pesquisa da IMS Health, a venda de antidepressivos cresceu 18,2% no Brasil em 2016. Dentro dessa porcentagem, as mulheres são as que mais sofrem com a depressão. No caso de uma paciente que não quis se identificar, a depressão se apresentou depois do parto de uma gravidez planejada e desejada. “Foram dois anos de muitas medicações e recaídas, crises de pânico, ansiedade e depressão… Até conhecer o Daime na igreja”, conta. “Foi um trabalho sofrido, teve choro, limpeza, uma sensação de quase morte, cansaço físico e mental e finalmente o alívio. Coincidência ou não, depois daquele dia não mais tomei medicação e nem precisei”, relata.

Um estudo sobre os efeitos da ayahuasca em pacientes com depressão foi iniciado em 2007, com coordenação de Draulio Barros de Araújo, professor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e continua em andamento. Segundo Draulio, os efeitos foram significativos. “A gente observou que dias depois da experiência com a ayahuasca já existe um efeito significativo de redução dos sintomas de depressão e esses sintomas permanecem reduzidos por 7 dias”, relata. A segunda fase desse mesmo estudo teve início em 2010 e serviu para comparar os efeitos da ayahuasca com os efeitos do placebo, que não tem nenhuma propriedade farmacológica, nos pacientes com depressão. “O placebo também demonstrou uma redução dos sintomas de depressão, mas a redução que foi proporcionada pela ayahuasca foi maior”, explica o professor.

Em 2015, outro estudo avaliou os efeitos da ayahuasca em pacientes com quadro de depressão. O trabalho foi noticiado na prestigiada revista Nature. Os pesquisadores Flávia de Lima Osório, docente do departamento de neurociências e ciências do comportamento da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, e Rafael Guimarães dos Santos, pós doutorando no mesmo departamento, dizem que os resultados obtidos até agora são positivos. “As pessoas que participaram do estudo tiveram uma redução temporária em seus sintomas de depressão, mas o fato de ter sido apenas uma melhora temporária mostra que devemos seguir pesquisando”, afirma Rafael que está planejando um estudo sobre os efeitos da ayahuasca em pacientes alcoólatras. Mesmo com efeitos positivos, Rafael e Flávia afirmam que a ayahuasca não cura a depressão. “O que observamos foi apenas a redução dos sintomas de depressão por 2-3 semanas após a ingestão de uma dose de ayahuasca. Os sintomas retornaram após este tempo”, explicam.

Mesmo sem um estudo comprovando os benefícios da ayahuasca para pessoas alcoólatras, muitos dependentes do álcool afirmam ter se curado do vício depois de ter tomado o chá ayahuasca ou ter entrado para a religião do Santo Daime. “Eu bebia todos os dias. Mas graças ao padrinho Luciano e ao Santo Daime eu me libertei desse mal. Tomei o Daime na clínica de tratamento do Céu Sagrado e depois daquele dia nunca mais bebi”, conta Silvano Vital.

O SAPO QUE TROUXE A CURA

O kambô, ou simplesmente vacina do sapo, é um método da medicina indígena, que utiliza a secreção de uma perereca em seu ritual de cura. Encontrada em países com áreas amazônicas, como o Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Peru e Venezuela, a perereca de cor verde brilhante é colocada como responsável por curar dores de cabeça, cansaço e até câncer.

Segundo uma lenda da tribo Kaxinawá, há milhares de anos os índios da aldeia estavam muito doentes, então o pajé Kampu entrou na floresta e disse que só sairia de lá com a cura para o seu povo. Sob o efeito da ayahuasca, ele recebeu a visita do grande Deus que segurava nas mãos uma rã e ensinou o que Kampu deveria fazer para salvar a sua tribo. O pajé então voltou para sua tribo e aplicou o veneno em seu povo. Todos foram salvos. Os índios acreditam que o kambô é uma maneira de se conectar com a natureza. Através dele, os chacras se abrem e fazem a energia do corpo circular normalmente, fazendo com que as dores e os males desapareçam.

Para retirar o veneno, os índios amarram as quatro patas da perereca e a esticam entre duas estacas de madeiras para que ela fique imóvel durante a retirada. O Pajé raspa levemente as costas da perereca para retirar a secreção e em seguida os índios a devolvem para a mata. O veneno é colocado em uma palheta de madeira, onde ele ficará cristalizado depois de algumas horas. Por conta desse efeito, pode durar muitos anos. As placas são encaminhadas para diversas clínicas do Brasil todo, entre elas a clínica do Céu Sagrado.
Antes da aplicação, a secreção é umidificada com água natural para poder voltar ao seu estado pastoso e então são moldadas bolinhas com o veneno, que em seguida serão aplicadas nos pacientes através de queimaduras feitas com um pequeno cipó na pele. Assim, o veneno entra na corrente sanguínea de forma instantânea e o processo tem a duração média de 20 minutos.

As pesquisas para descobrir as propriedades farmacológicas presentes no kambô continuam. Segundo Sandro Dini, sobrinho do Padrinho Luciano, médico gastroenterologista e pesquisador do kambô, pessoas que sofrem de doenças como a depressão, ansiedade, transtornos compulsivos, enxaquecas e também sedentarismo e obesidade podem se beneficiar. “Sabemos que o kambô, além de tudo, é excelente para todas essas condições, o que vêm tornando seu uso cada vez mais frequente e popular, com ótimos resultados e retorno imediato às atividades do cotidiano”, afirma.
Pesquisadores encontraram na secreção do kambô propriedades antimicrobianas, com potencial para o combate das superbactérias, as bactérias que resistem a antibióticos, além de substâncias que estimulam a cicatrização de feridas e outras que funcionam como analgésicos considerados 40 vezes mais potentes que endorfinas.

“Tinha enxaqueca pelo menos duas, três vezes no ano, eu chegava a desmaiar, algumas horas a minha vista sumia. Fui no médico diversas vezes e ele não sabia o que era, me passava um remédio, mas só parava a dor na hora. Depois da primeira vez que eu apliquei o kambô eu fiquei dois anos sem ter uma dor de cabeça”, relatou Cristiano Borges da Silva Júnior, que já aplicou o kambô três vezes nos últimos três anos.

Os índios acreditam que o kambô tira o cansaço e com isso se tornam mais valentes e fortes. Para os urbanos existem variações de quantidade do veneno aplicado quando comparado com os índios, mas os motivos da procura são parecidos.

“Procurei porque me falaram que fortalecia a imunidade e tirava o cansaço. Bem o que estava precisando”, conta Esthefani Oliveira, frequentadora da igreja Céu da Nova Vida há 2 anos.

No ano de 2004 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, proibiu a venda e a publicidade sobre o kambô. A agência alega que ainda não existe comprovação científica que garanta qualidade, segurança e eficácia da substância encontrada na perereca. “O fato de ser gratuito nos protege, se estivéssemos lucrando com isso, iriam cair em cima da gente”, explica Júlio.

A proibição se deu por denúncias feitas pelos índios alegando que pessoas, de centros urbanos, estavam utilizando tribos próximas para aprender como fazer a aplicação do kambô e comercializando as paletas de madeira que continham a secreção. Devido à isso, em junho de 2005 os índios Katukina acusaram que aplicadores de kambô residentes em Cruzeiro do Sul (AC) estariam usando o sapo-cururu no lugar do kambô, o que seria muito perigoso.

Desde então, todas as denúncias sobre biopirataria são avaliadas pela Polícia Federal do Acre e, para ajudar no reconhecimento da vacina, a Empresa Brasileira de Pesquisas e Agropecuária (Embrapa) criou um método de reconhecimento através de estudos para facilitar esse processo.

É possível encontrar milhares de relatos de pessoas que se curaram de diversas doenças depois de aplicarem o kambô. Existem, inclusive, pessoas que estacionaram câncer, Aids e tendinite crônica, como é o caso de uma personagem que não quis se identificar. “Para tendinite tomei 3 doses, 1 por semana. Foi tirar com a mão”, conta.

Mesmo concordando com o poder de cura instituído pelo kambô, Sandro Dini acredita que o acompanhamento médico deve ser contínuo em alguns casos. “Pessoalmente não acredito no imediatismo da cura física de doenças graves e reconhecidamente incuráveis como enfisemas, cirroses, cânceres em estágio avançado etc. Quem disser que cura, está sendo imprudente. Todos os pacientes submetidos a quaisquer tratamentos médicos não convencionais devem permanecer sobre estrito acompanhamento de um médico ou outro profissional da saúde habilitado para o caso”, afirma.

Reportagem produzida para o Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, disponível em http://www.adoutrinadafloresta.com.br